Mountainhead: Uma sátira afiada sobre titãs da tecnologia — à altura de Succession
27 Maio 2025Filme marca estreia de Jesse Armstrong na direção e faz crítica mordaz ao poder dos magnatas do Vale do Silício
Alerta de spoiler: um dos momentos mais memoráveis de Mountainhead vem acompanhado de uma expressão vulgar bastante conhecida pelos fãs de Succession. A célebre combinação de “F” com “off” surge com força total — e com razão. Essa marca registrada do personagem Logan Roy, interpretado por Brian Cox, reaparece como um eco satírico no novo projeto de Jesse Armstrong, criador da série, agora estreando como diretor de longa-metragem.
Mais do que uma estreia, o filme pode ser visto como uma continuação não oficial de Succession. Se antes Armstrong expunha os bastidores de um império midiático familiar, agora seu olhar ácido se volta para os verdadeiros donos do poder atual: os bilionários da tecnologia.
O cenário da trama é Mountainhead, nome que brinca com o clássico “The Fountainhead”, de Ayn Rand. É também o nome do luxuoso retiro nas montanhas nevadas de Utah onde quatro antigos amigos se encontram para jogar pôquer e debater temas que vão de negócios a fim do mundo. E não é exagero: a ameaça de colapso civilizacional ronda a narrativa. A origem dessa crise? Venis (Cory Michael Smith), CEO de uma gigante da inteligência artificial e das redes sociais, cujas invenções recentes geraram caos nos mercados, violência sectária e um clima global de ruína iminente.
Apesar do caos, Venis vive uma vida confortável — o que não se pode dizer de seu mentor Randall (Steve Carell), que chega ao encontro após receber um diagnóstico médico preocupante. É ele quem solta o palavrão mais impactante da trama. O grupo inclui também Jeff (Ramy Youssef), ex-sócio de Venis e agora sua consciência crítica, e Hugo (Jason Schwartzman), anfitrião do encontro, único não-bilionário e ainda preso ao sonho de vender um aplicativo de sucesso.
Parte do charme de Mountainhead está na alusão, nada discreta, às figuras reais que inspiram os personagens — assim como Logan Roy jamais foi oficialmente baseado em Rupert Murdoch. Randall remete ao investidor Peter Thiel, especialmente quando é apelidado de “Gandalf do Dinheiro Obscuro”. Já Venis é um Elon Musk mais jovem e musculoso, com uma pitada de Sam Altman — combinação que, com certeza, ambos odiariam ver.
E Jeff? O filme lança uma provocação incômoda: talvez não haja equivalente real de alto perfil para alguém que, como ele, levante a voz em prol da cautela e da ética. (Talvez Ilya Sutskever, cofundador da OpenAI, chegue perto.) Já Hugo cumpre um papel mais narrativo: sua urgência por dinheiro se transforma em um elemento importante mais adiante na trama.
Assim como em The Thick of It, que Armstrong co-escreveu, o ponto forte está no estilo “mosca na parede”, oferecendo ao espectador um olhar íntimo sobre diálogos afiados entre “mestres do universo”. O ritmo é intenso, com uma espécie de pingue-pongue verbal entre os personagens, recheado de piadas internas e provocações. A comédia surge justamente da incapacidade desses homens, acostumados ao sucesso, de perceberem o quão pouco engraçados realmente são. (Quem ri mais alto do que os assistentes de Elon Musk?)
Mesmo nos momentos de silêncio, o ego segue falando alto, com citações forçadas de filósofos. “Levo Kant muito a sério!”, esbraveja Randall, com o semblante de uma criança prestes a atirar o prato na parede.
Mountainhead é uma sátira mordaz, brilhantemente atual, que cutuca com elegância — e sem medo — os ícones de uma era tecnológica onde o poder se confunde com o culto à personalidade. Jesse Armstrong entrega um retrato hilário e incômodo de nossos tempos, com personagens que lembram demais aqueles que dominam o mundo real.